Darwin estava errado? Será?
A Rádio Animal continua a série "De volta para o futuro", que faz uma viagem no tempo para contar a origem dos animais e quais mudanças no planeta levaram à extinção ou sobrevivência de espécies conhecidas.
A máquina do tempo foi ajustada para viajar a 635ma, quando a Terra já deixava de ser uma bola de gelo [1]. A vida animal ficou representada principalmente pelas esponjas desde nossa última visita no tempo há 713ma. Ou seja, por 78ma a vida animal estava restrita às esponjas-marinhas. Algo parece fora do lugar, desafiando as ideias da evolução de Darwin. Então vamos viajar de volta para o futuro; para o dia 24 de novembro de 1859, em Londres. É quando o livro de Darwin "Da origem das espécies pela seleção natural; ou A preservação das raças favorecidas na luta pela vida" [2]. Nele é defendida e mais uma vez comprovada a evolução dos seres vivos. Mas Darwin não conseguiu explicar uma parte: a "explosão cambriana". A camada de fósseis mais antiga conhecida tinha uma grande e inesperada diversidade de animais. É como se centenas de espécies tivessem aparecido do nada há 541ma (no Período Cambriano), e depois fossilizado [3]. Por muitas décadas, este foi um dos argumentos dos criacionistas para tentar comprovar a origem divina da vida, e foi chamado de "Dilema de Darwin"[4;5;6].
"A evolução tinha fragilidades: Ponto para a criação divina?".
Não havia evidências de formas animais antes do Cambriano, portanto os animais pareciam ter surgido mesmo do nada e todos ao mesmo tempo, e, por isso, foi chamado de "Explosão Cambriana". Se Darwin tivesse uma Máquina do Tempo para saber como isso seria explicado, certamente a 6a edição de seu livro teria resolvido este dilema quase divino. Por que tanta diversidade de animais surgidos há 541ma? Por que não há outros fósseis antes disso?
Imagens de animais do Período Cambriano (fósseis reais e reconstituições a partir deles).
Nossa Máquina do Tempo é reprogramada de volta para o futuro, em 1946 para as Montanhas de Ediacara no sul da Austrália [7;8;9]. O geólogo Reginald Sprigg comia seu almoço enquanto virava algumas rochas [10]. Encontrou registros dos animais que Darwin desconhecia, e este seria o primeiro passo para resolver o "Dilema de Darwin" e a inexplicável presença de tantos animais fossilizados há 541 milhões de anos (m.a.), e, depois disso, nenhum outro. Acontece que os animais do Cambriano eram espécies que já haviam desenvolvido partes duras no corpo, como conchas, carapaças e apêndices mais rígidos. Eles sofreram um processo de extinção em massa por questões ambientais deste período, e foram soterrados para serem fossilizados.
Vídeo mostrando um tipo de fossilização, exemplificando a de um dinossauro.
"Achados em Ediacara (Austrália) salvam a evolução! A criação divina sofre um golpe duro".
Foi por isso que Darwin encontrou com certa facilidade estes animais. Mas por que o registro animal some depois disso? Os animais de Ediacara têm apenas partes moles, nenhuma carapaça. Ou seja, o registro existia, só não tinha sido encontrado até 1946 (Darwin publicou seu livro 87 anos antes!). Na China, a Formação Doushantuo [11] confirma fósseis de animais pré-cambrianos, que também foram encontrados em 2016 na Argentina [12]. Ou seja, a origem animal é mais antiga do que se pensava.
A pontualidade londrina de Darwin foi enganada pelo tempo infinito da evolução. Imagine que a vida animal tivesse surgido nas últimas 24hs. Nós Homo sapiens estaríamos na Terra há apenas 23 segundos. Darwin teria conhecimento do que se passou com a vida animal nas últimas 17hs e 19min (equivalente aos últimos 541 milhões de anos). Só desde 1946 sabemos que a vida animal já tinha surgido 3hs antes disso. As dúvidas sobre Darwin seriam como querer que ele tivesse resolvido um crime faltando evidências; É como se Darwin tivesse chegado 3hs antes dos animais mais primitivos surgirem, quando havia centenas de evidências espalhadas na cena do crime (o registro fóssil da "Explosão Cambriana"). Mas por que este atraso aconteceu? Por que de repente temos tantas espécies primitivas e derivadas juntas, e depois disso nenhum outro registro de animais na Terra? Porque a fossilização é rara na natureza, e porque a beleza das ciências é sempre se melhorar, e encontrar novos conhecimentos. A fauna ancestral animal só foi encontrada 64 anos depois da morte de Darwin. Os animais cambrianos fossilizaram mais facilmente porque já tinham evoluído partes duras no corpo, enquanto seus ancestrais de Ediacara tinham partes moles apenas. E a grande diversidade de animais é apenas a resposta das espécies às pressões de um planeta que estava mudando muito rapidamente: de bola de fogo para bola de gelo e novamente começava a derreter a carapaça de gelo.
"Corais surgiram há 580ma. Eles movimentam até US$172 bilhões no mundo".
Na mesma Austrália está a maior barreira de corais do mundo, com mais de 2600Km de extensão [13]. É como uma barreira com a distância do RJ a Fortaleza, ou a Montevidéu (Uruguai)!. Tem uma área 8 vezes maior que a do Estado do RJ! Os corais são seres que misturam partes animal, vegetal e mineral! Uma associação que começou há 580ma, e está nesta fauna de Ediacara. Eles são importantes como provedores de alimentos, proteção aos litorais, criam milhões de postos de trabalho no turismo e têm princípios ativos ainda sendo conhecidos pela medicina. Todos os anos, os recifes de corais movimentam até 172 bilhões de dólares no mundo [14]! Uma história que a Rádio Animal contará no próximo episódio.
A viagem na Máquina do Tempo mostra o belo equilíbrio da natureza animal. Houve grandes extinções em massa diversas vezes, ocasionadas por mudanças climáticas que duraram milhões de anos e deixaram evidências nas rochas [15].
As rochas da Terra são mudas, mas falam sobre nossas Terras primitivas. E jamais mentem.
Na próxima Rádio Animal, a Máquina do Tempo revela o que extinguiu quase todos os animais há mais de 500 milhões de anos. E como os corais determinaram nossa existência na Terra.
[1] http://www.fossilmall.com/Science/GeologicalTime.htm [2] DARWIN, C. 1859. On the origin of species by means of natural selection, or, the preservation of favoured races in the struggle for life. 6a ed., Londres: J. Murray. [3] PROTHERO, D.R. Bringing Fossils To Life: An Introduction To Paleobiology. 3a ed., Columbia University Press. Nova Iorque. 2013. 671 p. [4] SCHOPF, J.W., 2000. Solution to Darwin's dilemma: Discovery of the missing Precambrian record of life. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States, 97 (13): 6947-6953. [5] QUAMMEN, D. 2004. Was Darwin wrong? No. The evidence for evolution is overwhelming. National Geographic Magazine (online). http://ngm.nationalgeographic.com/2004/11/darwin-wrong/quammen-text
[6] CALLOW, R.H.T.; BRASIER, M.D. 2009. A solution to Darwin's dilemma of 1859: exceptional preservation in Salter's material from the late Ediacaran Longmyndian Supergroup, England. Journal of the Geological Society, 166: 1-4. [7] http://www.ucmp.berkeley.edu/vendian/ediacaran.php [8] https://www.britannica.com/science/Ediacara-fauna
[9] http://www.ucmp.berkeley.edu/vendian/ediacaran.php [10] The Oxford encyclopedia of evolution. Mark Pagel (Ed.), Oxford University Press. Oxford, Reino Unido, Vols. 1 e 2, 2002, pp. 1234. [11] http://www.fossilmuseum.net/Fossil_Sites/doushantuo.htm [12] ARROUY, M.J.; WARREN, L.V.; QUAGLIO, F.; POIRÉ, D.G.; SIMÕES, M.G.; ROSA, M.B.; PERAL, L.E.G. 2016. Ediacaran discs from South America: probable soft-bodied macrofossils unlock the paleogeography of the Clymene Ocean. Scientific Reports, 6 (30590): 1-10.
[13] http://ocean.si.edu/corals-and-coral-reefs [14] https://blogs.scientificamerican.com/observations/how-much-are-coral-ecosystems-worth-try-172-billion-a-year/
[15] CHUMAKOV, N.M. 2003. Global climates of the Vendian. Russian Journal of Earth Sciences, 5 (6): 385-39